sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Só acaba quando termina

Outro dia conversava com uma amiga católica sobre os vários artistas e estudiosos que já passaram por este mundo e eram admiráveis pela sua genialidade, mas que foram seduzidos pelos males mundanos ou por ideologias tortas. É muito triste pensar que tantas mentes brilhantes possam ter tido suas almas perdidas por todo o sempre. Algumas até chegaram bem perto da Verdade, mas ainda havia um véu que as impedia de vê-La. Às vezes, até notamos casos semelhantes entre nossos professores, do colégio ou da faculdade. Alguns deles destacam-se por serem empenhados em seus estudos, de forma séria e quase imparcial, mas ainda assim não conseguem se desvencilhar de muitos erros.

Gustavo Corção
Não podemos nos esquecer porém de que houve também aqueles que conseguiram abrir os olhos e desembaçar suas vistas. Os mais lembrados são os queridos G. K. Chesterton, J. R. R. Tolkien e Gustavo Corção. O último, aliás, travou amizades com inúmeros intelectuais brasileiros de peso, embora com orientações ideológicas diversas, e recebeu deles admiração e respeito. O trecho a seguir é de sua autoria e é um exemplo a ser meditado. Nele, Corção relata seu último encontro com o escritor Oswald de Andrade, o qual estava muito enfermo e ciente de que o dia de sua morte estava próximo.

"Vi-o pela última vez no Hospital das Clínicas de São Paulo. Depois de uma emocionante aventura, em que me parecida estar atravessando a cortina de ferro com passaportes falsos, consegui entrar na fortaleza das clínicas paulistas e graças à intervenção de um moço que... mas isto é outra história — cheguei ao quarto letra tal, número tanto, onde o velho modernista se refazia de recente e difícil operação na cabeça. 

Magro, envelhecido, estava quase irreconhecível. O turbante manchado de sangue, que lhe envolvia a cabeça, tapando o olho direito, dava ao esquerdo uma redobrada ferocidade de pirata da Ilha do Tesouro. Quando entrei, a admirável Antonieta Alkmin atava-lhe ao pescoço um enorme guardanapo, e apressava-se a servir um prato de canjica cheio até a beira, que ele reclamava com rugidos de impaciência.

Quem é você? Gritou vendo-me entrar. Pregou em mim o olho disponível sem conseguir decifrar minha identidade na penumbra do quarto. Antonieta disse-lhe quem era, e logo o olho duro e metálico revestiu-se de uma doçura de hortênsia. Abraçamo-nos. Entre duas colheradas sorvidas vorazmente perguntava-me se estava escrevendo outro livro e interessava-se por meus projetos. Devorava a canjica, e devorava-me a mim, com a mesma grande fome, com a mesma grande boca aberta para a vida e para o mundo. Antonieta, a excelente e compassiva Antonieta, fazia-me agora por trás dele, sinais misteriosos. Apontava com insistência para a própria blusa e depois para o companheiro coroado de sangue. Entendi afinal que devia olhar para o peito de Oswald, e descobri então meia dúzia de santinhos pregados no seu pijama. Ali estavam as medalhas de nosso bravo corsário, as condecorações de suas últimas façanhas. Notando uma delas, uma humilde medalhinha milagrosa de alumínio, pedi à Virgem Santíssima que tomasse conta daquele filho voraz e que lhe ensinasse aquela passagem de seu cântico — esurientes implevit bonis¹ — que é um compêndio de filosofia antropofágica do céu. "

O Globo, em 4 de novembro de 1971
¹"Encheu de bens os famintos" (Lc 1, 53) 
(Leia o texto integral: Encontros com Oswald de Andrade - http://www.permanencia.org.br/drupal/node/438
  
Por mais que nos afastemos da graça de Deus, Sua misericórdia para com o pecador arrependido é infinita. Para nos salvar, Nosso Senhor desceu até as profundezas dos infernos. Assim, peçamos ardentemente a Ele, por intermédio de Maria Santíssima, pela conversão dos pecadores e pelas aflitas almas do purgatório, pois até o último suspiro, há a esperança do arrependimento final. 

Pátio com Coração de Jesus - Tarsila do Amaral

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