segunda-feira, 18 de abril de 2011

Sinestesia

É incrível como algumas sensações marcam determinadas cenas de nossas vidas. Os sentidos estão ligados à nossa memória e, através deles, podemos reviver certas lembranças. 

Há pessoas que são mais sensíveis a esses detalhes e têm facilidade para criar conexões entre diferentes planos sensoriais. Posso dizer que sou uma delas. Para mim, os gostos, os cheiros, os sons e as imagens  se confundem em minha cabeça e são sempre associados aos momentos da minha vida. Como é gostoso brincar com os sentidos!

O texto a seguir mostra bem isso, além de trazer a saudade de bons tempos. Ofereço-o ao meu querido, que também é sensível a essas impressões e ama as coisas simples e belas da vida. 


Recordações 

Estação Mogiana, 1890
Eu estava excitadíssimo, coisa própria de um menino que contava 10 anos.

A velha estação da Mogiana era fascinante. Suas paredes eram feitas de tijolos à vista, e os arcos de ferro fundido que sustentavam o teto exibiam o capricho que os Ingleses tiveram nas construções das nossas ferrovias.

O pátio de manobras abrigava diversas locomotivas a vapor e outro tanto de vagões de diversos tipos. Alguns transportavam gado, outros, mercadorias, e até havia alguns próprios para transportar a lenha utilizada pelas locomotivas carinhosamente chamadas de Maria Fumaça. Mas eram os vagões de passageiros que fascinavam. Pintados de vermelho, janelas com vidros enfeitados com arabescos, tudo limpo e bem arrumado, poltronas protegidas com capas brancas.

Aqui e ali, locomotivas faziam manobras empurrando, puxando, trocando vagões de lugar. Parecia uma brincadeira de crianças.

Minha vontade era de sair correndo e ver tudo de bem perto. Meu avô, sentado em um banco de madeira com pés de ferro, como sempre, estava calado. Seu silêncio, entretanto, falava mais do que se estivesse conversando. Um olhar era o bastante para eu entender que deveria ficar sentado e quieto.
Meu coração batia descompassado.

Dentro de algum tempo deveria chegar o trem que vinha de Campinas e com ele alguns parentes. Meus tios que estavam para chegar eram a personificação da bondade e carinho. Eu os adorava.
Observei meu avô: sério, compenetrado, tomando seu cachimbo preferido com gestos compassados e elegantes, colocou no seu fornilho uma lapada de tabaco.

Ao acender o fósforo e chegá-lo ao cachimbo um cheiro delicioso se espalhou pelo ar. Eu conhecia bem aquele perfume.
Muitas vezes, bem antes de eu chegar à sua casa, já de longe percebia aquele cheiro. Era claro que o meu avô estava em casa.

Ali na plataforma da estação, o cheiro das máquinas, dos vagões, de tudo enfim fazia coro com o cheiro do cachimbo do meu avô.

Acomodado no banco eu aguardava o sinal da campainha anunciando que o trem partia da última estação.
De repente, um sinal estridente anunciava que o trem estava para chegar.
Com o olhar fixo na curva, aguardando o monstro de ferro aparecer, soltando fumaça e vapor, eu não tinha como não perceber o cheiro do cachimbo.
Na minha mente ficaram impressas para sempre as emoções daquele momento. E com certeza a moldura dessas reminiscências foi o perfume do cachimbo.

Hoje, após mais de meio século, nas tardes em que eu preparo o meu fiel cachimbo para alguns minutos de reflexão e calma, o cheiro do tabaco queimando leva o meu pensamento àqueles momentos inesquecíveis. Está para sempre impresso na minha retina: meu velho avô com seu cachimbo. E essa imagem mágica toma força quando eu rendo silenciosamente a minha modesta homenagem... acendo um fósforo e respiro o perfume da saudade.


Nelson Lopes de Paula 

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